segunda-feira, 30 de março de 2009

O aviltamento da função pública

A constrangedora entrevista da filha do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, Luciana Cardoso, que ocupa o cargo de secretária parlamentar no Senado e sequer comparece ao gabinete do senador que a emprega, acrescenta um novo e lamentável capítulo à antologia de incúrias da administração pública nacional. Não se trata de um caso isolado. O empreguismo caracterizado no episódio é apenas uma das muitas mazelas da política nacional, infelizmente reduzida a um jogo de interesses pessoais ou grupais. O Senado é a bola da vez. Sob o foco da imprensa e da opinião pública, tem protagonizado escândalos quase diários mas não exclusivos. Fisiologismo, clientelismo, nepotismo, corporativismo, tráfico de influências, abuso de poder, mordomias, altos salários, uso indevido de bens e equipamentos, todas essas deformações evidenciam a mentalidade sanguessuga de quem se aproxima do poder e do serviço público apenas para obter vantagens à custa dos contribuintes. Neste universo de desmandos e descontroles, os bons políticos e os servidores honestos que existem e talvez sejam até a maioria acabam sendo confundidos com os aproveitadores.
Embora a generalização seja sempre injusta, é compreensível – e, de certa forma, desejável – a crescente indignação dos brasileiros com a classe política. Somente cidadãos bem informados, organizados e confiantes na democracia é que poderão alterar o atual estado de coisas, dando um basta à corrupção. Um, não! Vários, frequentes e repetidos bastas. A vigilância sobre os governantes, os representantes parlamentares e os servidores de todos os níveis tem que ser permanente. É um direito do indivíduo que paga impostos para sustentar a máquina estatal. As autoridades e os ocupantes de cargos públicos estão em suas funções por expressa delegação de cada cidadão. Cabe a ele, portanto, aprová-los ou rejeitá-los, considerando o serviço que lhe prestam.
A impunidade e a fragilidade dos mecanismos de controle levaram o país ao atual descalabro na administração pública. Quando um parlamentar empresta o celular funcional para a filha viajar para o Exterior, com o custo das ligações internacionais coberto pelo Tesouro, parece que ele está cometendo uma pequena irregularidade, especialmente na comparação com grandes escândalos financeiros que já fazem parte da história do país. Mas é a tolerância com espertezas desse tipo que facilita a corrupção. Quando um grupo de servidores recebe horas extras por trabalho não executado, e todos se calam como se fosse absolutamente normal, é sinal não apenas de que o sistema está viciado, mas também de que já formou uma cultura da prebenda. Quando há uso abusivo de cartões corporativos, quando os cargos públicos – especialmente os mais bem remunerados – são preenchidos na base do compadrio ou do parentesco, quando os governantes ostentam sinais de riqueza repentina, quando os poderes se transformam em corporações interessadas apenas em beneficiar seus membros, quando tudo isso ocorre repetidamente, a democracia adoece.
Os brasileiros não podem permitir que isso aconteça. Levamos muito tempo para recuperar nossos direitos e nossas liberdades, suprimidos no período autoritário. Agora, precisamos exercitá-los com objetividade e eficiência, como já ocorreu na campanha que resultou no afastamento de um presidente envolvido com a corrupção. Sua volta à vida pública não deve significar capitulação. Os cidadãos que acreditam na democracia representativa e na possibilidade de depurar o sistema político têm que se mobilizar no sentido de fiscalizar, cobrar e exigir melhor comportamento de seus representantes. A atividade política não pode ser reduzida à negociação de empregos e vantagens pessoais para amigos dos detentores do poder. Ninguém tem o direito de se apropriar do que é público, nem de transformar a representatividade que recebeu em salvo-conduto para a locupletação.
Há, indubitavelmente, uma patologia na organização estatal, representada por desvios éticos que já se institucionalizaram. Mas também existem remédios para esses males. Um deles é a denúncia, a exposição pública da esperteza, o escancaramento de mordomias e abusos. Outro é marcar a ferro e fogo os políticos que compactuam com as safadezas para o devido ajuste de contas na hora do voto.

Fonte: ZH de 29/03/2009

É meus amigos, este não é o país dos nossos sonhos, mas é o que temos. Portanto, se queremos outro, tá na hora de acordarmos para a realidade e deixarmos de ser omissos e passivos. E a mudança não começa em Brasília ou em Porto Alegre. Ela inicia na cidade onde residimos. Portanto, exerçamos realmente nossa cidadania, não somente na hora do voto, mas fiscalizando a vida pública, afinal, é o dinheiro do contribuinte que está aí.

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