quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

A FOZ DO AMAZONAS

Gonçalves de Magalhães
Baliza natural ao norte avulta
O das águas gigante caudaloso,
Que pela terra alarga-se vastíssimo;
Do oceano rival, ou rei dos rios,
Se é que o nome de rei o não abate;
Pois mais que o rio supera em pompa e brilho
No sólio, à multidão em torno curva,
Supera o Amazonas na grandeza
A quantos rios há grandes no mundo!
O Kiang, o Nilo, o Volga, o Mississipe
Inda que as águas suas reunissem,
Com ele competir não poderiam.
Ao lado seu direito, e ao esquerdo lado,
Mil feudatários rios vêm pagar-lhe
Tributo perenal de suas águas.
Ressupino gigante se afigura,
Qual outro Briaréu, mas verdadeiro,
Que estende os braços para abraçar a terra!
Pujante assim no Atlântico se entranha,
Ante si repelindo o argênteo salso
Como se ele na terra não coubera,
Ou como de inundá-la receoso,
Se mais longo e mais lento a discorresse!
O Amazonas c’o Oceano furioso
Luta renhida trava interminável
Para roubar-lhe o leito; e ronca e espuma.
Qual no lago, enlaçada a cauda a um tronco,
Feroz sucuriúba hórrida ronca,
Quando sente mover-se à flor das águas
Lontra ligeira ou anta descuidada,
E, inchando as fauces, a cabeça eleva,
Os queixos escancara, a língua solta,
Para de uma só vez tragar o anfíbio:
Tal no pleito c’o Oceano o Amazonas
Para sorvê-lo a larga foz medonha
Léguas abre setenta! A ingente língua
Estende de três vezes trinta milhas,
Como uma longa espada que se embebe
Ao través do Atlântico iracundo,
Que gemendo recua no arremesso,
E em montes alquebrado o dorso enruga.
Armas que joga ao mar são grossos troncos,
Arrancados na fúria, são pedaços
De esboroadas montanhas que ele mina;
Seus gritos são trovões tão horrorosos
Que ali parece submergir-se ao mundo;
Quando se incha o seu corpo desmedido,
Equórea, espessa nuvem se levanta,
Como uma chuva contra o céu erguida,
Refletindo do sol os sete raios:
Tal o conquistador que c’os despojos
Dos reis destronizados se opulenta,
Ou c’os tributos dos vencidos povos,
Em pé, firme no carro de combate,
Envolto numa nuvem de poeira,
Na frente vai levando debandada
Ingente aluvião de imigas hostes,
E, ante as portas de bronze do castelo
Nova vitória alterca porfiosa

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